#metodoadvogue Artigo por CONVIDADA

Licença Maternidade Homoafetiva: a mamãe que não gerou tem direito?

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ESSE ARTIGO FOI ESCRITO POR DRA. NEILANE MARQUES

 

A resposta é: ainda não.

Mas calma, trago boas notícias… recentemente, foi reconhecido direito
equivalente à licença-paternidade para mãe não gestante em união
homoafetiva.

É o início de uma discussão que, inevitavelmente, a sociedade (leia-se a
humanidade) terá que travar, mas – primeiramente – vamos a uma pequena
digressão histórica sobre alguns temas, para melhor compreensão:

O direito à licença maternidade surgiu no Brasil com a Constituição de 1934 e
está intimamente relacionada ao ingresso da mulher no mercado de trabalho. O
benefício tinha o intuito de proteger mãe e bebê, possibilitando o afastamento
da mulher das obrigações do contrato de trabalho, com a garantia de
remuneração e segurança de retorno ao emprego, pelo período de 4 semanas
antes e 8 semanas após o parto.

Quando da entrada em vigor da CLT, em 1943, este prazo foi oficializado para
(incríveis – contêm ironia) 12 semanas! Na oportunidade, os papais também
foram contemplados, ganhando 1 dia de licença (que tinha o objetivo de
garantir o registro da criança), até que a Constituição de 1988 contemplou o
período atual, de 120 dias de licença-maternidade e de 5 dias de licença-
paternidade. (Bem) mais tarde, em 2002, a Lei nº 10.421 reconheceu o direito
da mãe adotiva a requerer o benefício em período igual ao assegurado às
mães biológicas.

Vale citar o Projeto de Lei (PLS) 72/2017, que foi aprovado pela Comissão de
Assuntos Sociais (CAS) do Senado, em 18/04/2018 e que propõe a ampliação
do prazo da licença-maternidade de 120 para 180 dias, apesar de na prática já
ser adotada em empresas públicas e particulares participantes do programa
empresa-cidadã. Com o projeto, atualmente aguardando aprovação na Câmara
dos Deputados, está mais próxima de se tornar uma realidade para todas as
mulheres.

A título de curiosidade, há dezenas de projetos de lei tramitando atualmente no
Congresso Nacional, com o objetivo de aumentar tanto a licença maternidade,
quanto a paternidade, que hoje, conforme citado anteriormente, é de apenas 5
dias, podendo ser estendida para 20 dias, caso o genitor trabalhe em pessoa
jurídica participante do programa empresa-cidadã.

Veja que os direitos das mulheres são extremamente recentes no país
(historicamente falando), e são fruto da luta incessante de muitos contra a
sociedade machista e preconceituosa que é a brasileira, detentora de valores
profundamente enraizados, sobre diversos aspectos, principalmente, sobre a
família.

Maaaaaaas, para desespero “da moral e dos bons costumes” as relações
humanas são extremamente dinâmicas e estão “anos-luz” a frente das leis.
Ocorre que este descompasso (entre a vida e a legislação) é uma forma muito
bruta de marginalização das pessoas que não se enquadram no que é tido
como “convencional”.

Há 10 anos o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a união estável
homoafetiva como entidade familiar 1 . Em que pese já ter havido o
posicionamento do STF sobre a matéria, apenas em 2013 o Conselho Nacional
de Justiça (CNJ) firmou, de fato, a possibilidade da habilitação para celebração
de casamento civil e da união estável entre pessoas do mesmo sexo.
É certo que as medidas proporcionaram à população LGBTQIA+ conquistas
(direitos e deveres) nas mais diversas áreas do Direito – não apenas no Direito
das Famílias – a exemplo da área previdenciária, diante da possibilidade
concessão de pensão por morte, da criminal, que reconheceu a possibilidade
de violência doméstica na relação, da área cível, para efeitos patrimoniais
diante de uma separação ou morte, e agora nas áreas trabalhista e
administrativa, diante da possibilidade de a mãe – que não gerou o filho –
pleitear licença parental.

E por que eu estou te contando tudo isso? Para se perceber que desde que o
mundo é mundo a mulher está parindo (ou seja, damos “à luz” há milhares de
1 Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 132 e Ação Direta de
Inconstitucionalidade – ADI 4.277anos), mas a legislação de amparo à mulher e à maternidade existe no Brasil
há menos de 100 anos. E neste contexto, diante da dificuldade de amparo legal
da mulher, de maneira geral, percebe-se a urgência da necessidade de
inclusão da mulher LGBTQIA+ no âmbito familiar, da família socioafetiva, que é
uma família de fato, mas ainda de poucos diretos e que cada vez mais bate às
portas da justiça para exigir que sejam preenchidas as lacunas legais que a
impedem de ter acesso ao exercício pleno da cidadania, assegurado
constitucionalmente.

O TRF da 4ª Região (que é um Tribunal reconhecidamente vanguardista)
firmou, em julho desse ano (2021), decisão inédita, que reconheceu o direito de
uma servidora pública federal, mãe não gestante de criança fruto de união
homoafetiva, de receber licença parental de 20 dias – período equivalente à
licença-paternidade concedida aos servidores do gênero masculino.

O pedido principal da autora era que lhe fosse concedida a licença
maternidade, tese que foi acolhida em 1ª instância, tendo o juízo da 6ª Vara
Federal de Curitiba determinado, em decisão liminar, que a União concedesse
licença de 180 dias. Todavia, a União recorreu da decisão, sob a alegação de
que a licença-maternidade tem o objetivo de proporcionar à gestante sua
recuperação física e psicológica, mas que estaria disposta a conceder licença
equivalente à paternidade à servidora.

Administrativamente a União já havia se negado a conceder qualquer licença,
sob o argumento de não haver previsão legal.

Mas, como quem quer faz, a desembargadora federal, deu provimento ao
recurso da União para determinar que fosse concedida à autora licença
parental equivalente à paternidade, assim destacando:

“Nada obstante, a parte agravada não deve restar
desamparada no seu direito de acompanhar os primeiros dias
de vida de seu filho. Nesta perspectiva, como forma de
possibilitar o contato e integração entre a mãe que não gestou
e o seu bebê, deve ser concedida licença correspondente à
licença-paternidade”. (O número do processo não foi divulgado
pelo Tribunal)

Apesar do notório avanço do Tribunal em analisar o caso concreto com a
devida atenção, eximindo-se de negar a concessão do benefício apenas em
razão de inexistência de lei que o permita, a Turma julgadora ratificou a ideia
equivocada de que a licença-maternidade seria um benefício voltado apenas à
mulher parturiente, entendimento que já tem sido superado pela doutrina
especializada, visto que a maternidade é, reconhecidamente, muito mais
complexa do que “dar à luz”.

O que se vê é que parentalidade de casais homoafetivos ainda é bastante
controversa e urge por mais atenção de todos, como sociedade, tendo em vista
suas singularidades e diferenças da parentalidade dita convencional, restando
claro que não basta trazer a relação homoafetiva para a realidade
heterossexual – porque ela é di-fe-ren-te!

É necessário avançar no sentido de discordar que a justiça tenha a autoridade
de interferir na vida privada das pessoas, a ponto de determinar a atuação do
casal homoafetivo dentro do binômio pai e mãe. E para que isso aconteça, a
justiça e a sociedade brasileira precisam se interessar em conhecer as
relações homoafetivas na sua essência. Não seria demais pensar, quiçá, em
uma nova via de licença parental que atenda as relações homoafetivas… o que
não pode ocorrer é que a discussão sobre o assunto seja obstaculizada apenas
e tão-somente pelo preconceito.

Você se enquadra nesta situação? Contate um especialista no assunto para
avaliar seu caso.

Neilane Marques.

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