A maioria que me procura, chega com os olhos pedindo socorro como se eu fosse a Mulher Maravilha com super poderes para tirá-las do caos, me agradecem e falam o quanto me acham super poderosa e empoderada… Claro que pra uma leonina convicta, massageia o ego e a alma. Mas eu não tenho nenhum super poder e nem sou a salvação de nenhum mal… sou apenas uma branca, de classe média, que estudou nas melhores escolas, fez todos os cursos que desejou, teve todo o apoio da família enfim fui fabricada pra ser apenas mais uma pra cumprir o papel de privilegiada no sistema que insiste em falar de meritocracia… na fila da meritocracia eu sou a MEGAAAA ESFORÇADA que faço a diferença, mas eu sei que fazer a diferença recebendo o diferente é fácil. Então talvez o único “super poder” que eu tenha é uma lente mais sensível que meus pais por muito tempo chamaram de rebeldia sem causa.
Mas pra mim é mais como uma indignação que fica parada na garganta, uma pergunta que faz eco num looping infinito de que PORQUÊ EU POSSO E TANTAS NÃO? Por muito tempo eu não entendia que simplesmente sair fora do sistema pra quebrar os muros blindados era burrice, já que os privilégios me deixavam aprisionada nessa brilhante bolha de vidro o melhor a fazer era fazer o desmonte de dentro. Então me considero como um cavalo de tróia, não nego que estou aqui por mérito de um sistema branco, patriarcal e capitalista mas estou disposta a corroê-lo por dentro como um vírus bem elaborado. Não estou sozinha, tenho muitas como eu e juntas somos mais fortes para dar as mãos para as que de fato merecem todos os méritos.
As que realmente merecem o mérito, são as marginalizadas pela meritocracia, aquelas que simplesmente foram caladas pelo mesmo sistema que me protege. Sofro SIM com o machismo estrutural, mas não tem como comparar um sofrimento protegido com as que estão na linha de frente. Aquelas que quando falam que não tem dinheiro, é porquê estão só com gelo na geladeira isso se tiver uma geladeira pois ela pode ter sido perdida em uma das fugas de seus agressores. ESSAS SÃO AS VOZES QUE SAEM DA MINHA BOCA, essas são as histórias que merecem holofotes, essas são as protagonistas do brilhantismo que muitas vezes é imputado a mim. Elas fazem milagre, eu apenas tento fazer que um sistema que funciona tão bem pra mim funcione da mesma forma pra ela…
E decidi contar pra vocês essas histórias que merecem muito mais aplausos, do que um feed bem feito de uma advogada que rala SIM , mas rala no conforto de uma vida que sempre fora planejada pra mim. Claro que não posso usar os nomes reais, trocarei o nome das #mulheresdaminhavida para nome de flores, pois cada uma delas florescem no jardim da minha alma.
Vou começar com uma das flores mais especiais do meu jardim suspenso, uma das flores que Deus foi grandioso de permitir que brotasse no meu caminho.
Vou chamar ela de Caete, pois ela é selvagem como os caetés … com seus cabelos vermelhos que chamam a atenção. Pele branquinha que a tatuagem aparece fácil, mas eu nunca consegui entender o desenho que ela tem nas costas mas dá pra saber que é algo místico. Assim como ela meio energética por natureza.
Caeté vinha de um casamento já desfeito, perdeu o marido para uma outra flor … o beija flor um dia simplesmente foi voar em outro jardim. Deixou com ela um botão. Até aqui tudo bem, seu ex marido sempre fora muito presente (e é até hoje) dando todo respaldo financeiro, emocional e psicológico pra filha que tiveram. Talvez o que tenha acabado aqui foi somente o amor mesmo e vida que segue.
Mas há 10 anos, uma mãe solteira… sim há uma década mãe era sempre acompanhada de seu estado civil, as “de respeito” eram as casadas, que cumpriam a tabela; filhos, casa, cama, mesa e banho… as “desquitadas” ihhhhh essas eram perigosas pra se ter no círculo de amizades, elas roubam maridos alheios, elas são promiscuas, você viuuu? Aquele cabelo esvoaçante vermelho?
A vida seguia sim… mas seguia um pouco mais pesada, afinal era uma mulher divorciada. O sonho da família margarina foi interrompido de forma unilateral, o digníssimo somente informou que não queria mais formar casal. Ainda existia o sonho de família, dos felizes para frente, de todos os livros infantis que ela lia pra sua filha.
E um dia… o príncipe encantado chegou, não em um cavalo branco mas em um skate. Tá não era o ideal de príncipe, mas ele a encantava e fazia os sonhos voltarem a existir. Participava de grupos de oração, um bem apessoado cristão, nunca havia namorado sério prometia amor eterno, cuidava da filha dela, ensinou ela a andar de bicicleta. Comprava presentes.
Difícil depois de um coração machucado, essa era a chance dele ser curado… tantas promessas e juras, tanto amor que não coube só em dois, virou uma terceira pessoinha. Caeté não queria esse bebê, estava na faculdade, finalmente estava voltando a se reerguer com a filha, finalmente estava conseguindo pensar em sí. Meu Deus como ela pode permitir isso?
O positivo encantou o skatista, agora sim ele poderia ter uma família… ele aos poucos contava dos seus problemas com vício, mas o quanto isso era algo do passado que agora mais do que nunca ele havia mudado. Um filho, tudo que ele sempre sonhou ela não podia despedaçar o sonho dele desse jeito. A partir dali tudo seria perfeito, eles deveriam morar juntos e aos poucos tudo se encaixaria.
Caete voltou a ver uma família se formando, (um parênteses aqui meninas, é importante VOCÊ MESMO SOZINHA PODE SER UMA FAMÍLIA MARAVILHOSA PARA SEUS FILHOS… FAMÍLIA É PAZ, TRANQUILIDADE E RESPEITO. NÃO SE PRENDA A RELACIONAMENTOS POR MEDO DE NÃO DAR UMA “FAMÍLIA”, ELES PRECISAM MUITO MAIS DE AMOR DO QUE PESSOAS REUNIDAS). Mas era apenas uma forma de ficar mais soterrada, como se todo esse castelo de sonhos a enterrasse em um pesadelo medonho… As brigas começaram a se intensificar, o skatista já não parava em casa, não mais tinha dinheiro como antes, as contas iam se atrasando com a mesma velocidade que a barriga iria crescendo. Na frente das pessoas o enredo continuava, mas em quatro paredes ele se transformava.
Com 8 meses, após noites dormindo fora eis que ele aparece… mas ela não suportava mais ser feita de camareira de um hotel, onde mantinha a casa, comida e roupa lavada, enquanto o skatista passava noites na farra. Ele simplesmente transformou ela em uma mãe de adolescente, de uma mulher independente ela havia se transformado em uma co dependente, completamente enfraquecida emocionalmente. Grávida, mãe de uma quase adolescente e adotante de um adicto manipulador e inconsequente.
Decidiu que colocaria um fim em tudo isso, onde como duas, come três… ela já sabia o enredo de ser mãe solo, conseguiria dar conta de mais um o que não dava conta é ser mãe de barbado. Ela queria um marido e não um nóia adotado. Pegou todas as coisas do nômade folgado e colocou no quintal, pra que ele tomasse seu rumo.
Ele chegou de olhos completamente estalados, pra quem não sabe esse é o maior sintoma de quem está cheirado… cocaína, craque e baseado, esse era o novo enredo do marido frustrado. A barriga grande, já atrapalhando os movimentos e o rosto foi esmurrado. Os lábios todo cortado… e ela chorava no canto, acreditando que era a responsável por tudo, pois tinha o provocado.
Depois vem as flores, promessas e juras… depois vem amores, lúcifer se metamorfoseia em anjo de candura. Faltando 3 dias para ela dar a luz, mais um sumiço. Foi pro hospital sozinha, enquanto ele se drogava, ela paria enquanto ele brisava.
Chegou no dia seguinte; ressaca química… pra quem nunca teve contato com um adicto de cocaína, a ressaca química é uma ressaca desesperadora. Normalmente a pessoa fica ligada por dias, sem comer com a adrenalina a mil, muitas vezes bebendo e quando da a queda, a pessoa simplesmente desaba… dorme e sente uma tristeza infinita, culpa, vira um ninho de desculpas. Aceita o que você impor e não duvido que nesse momento acredite mesmo que vai cumprir. Quem nunca bebeu e jurou, NUNCA MAIS PONHO ALCOOL NA BOCA? É tipo isso, mas normalmente eles destroem tudo que tem em volta então eles não prometem só “não por álcool na boca” eles prometem tudooo… que nunca mais vai quebrar sua cara, que vai trabalhar, que vai na igreja, que vai que vai que vai… até a próxima carreira ser posta na mesa.
A mulher de puerpério e ele entrando e saindo de ressaca, a criança chorava e ele sucumbia, as contas venciam, enquanto o peito pingava, ele aspirava, enquanto ela rezava. E de repente a família tão sonhada, eram só pessoas convivendo em uma casa. Um lar transformado em uma construção abrigando um pesadelo, vivido por tantas mas que traz sofrimento a todas que protagonizam essa história.
Em um nada belo dia… em uma dessas ressacas que era cada vez pior, pois misturava-se com abstinência por falta de dinheiro. Ele já havia vendido muitas coisas da casa, ela dormia com a chave do carro e documentos debaixo do travesseiro, ela dormia abraçada com seus dois filhos trancada em um quarto. Nesse momento tudo que ela tinha na vida cabia naquele dormitório, seus únicos bens eram os filhos… e o carro, por ser a única forma dela fugir se precisasse. O resto? Aos poucos ia desaparecendo da casa…
Ela nutriu a coragem mais que a vergonha… ela sentia a vergonha todos os dias, a culpa a sufocava. Ela por muito tempo não teve coragem de contar nada pra sua família, isso seria mais uma prova do quanto ela não conseguia, como ela se colocou nisso? Contou… decidiu que pelas crianças, não mais permitiria isso. Avisou que iria embora, com um bebe de 40 dias, o skatista amarrou uma corda no pescoço LITERALMENTE e disse que iria se matar.
Ela friamente, pois todo esse tempo de anestesia emocional a ensinava o quanto ele a manipulava… Chamou o SAMU, amamentando, chorando e vendo seu príncipe encantado quase se matando. Ali ela decidiu, ele foi salvo…mas para ela estava morto.
COMO A CONHECI: em uma das palestras que dei. Na verdade em um evento que promovi sobre “birra” onde uma psicóloga falava como as crianças são influenciadas pelo externo e motivo das birras.
PROCESSUALMENTE: Hoje ele deve pensão há mais de 6 meses, já cumpriu 60 dias de cadeia e estamos cumprindo os tramites para cobrar dos avós. Continua sendo usuário de droga, a mãe dele também não aguentou o BO, depois que ele voltou da cadeia não mais deixou ele morar com ela.